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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Rua cheia de gente é melhor que rua cheia de carro

Por Bruno Perdigão

Após alguns dias de manifestações por todo o Brasil, em meio a indignações difusas e protestos bastante heterogêneos, ninguém consegue compreender ao certo o que está acontecendo e muito menos cravar uma previsão para o que virá daqui pra frente. No entanto começa a ficar clara a crescente relevância da pauta da Mobilidade Urbana e a importância de discutir o tema não apenas pelo viés técnico, mas também pelo viés político.

Em São Paulo, a principal pauta dos protestos veio do Movimento Passe Livre (MPL) que luta, a curto prazo, pela revogação ao aumento das passagens dos transportes públicos e, a longo prazo, pela tarifa zero. Esta ideia que há pouco tempo parecia uma utopia ou um exagero, hoje começa a ser discutida como uma possibilidade inovadora. O movimento propõe deixarmos de pensar o transporte público como um produto para transformá-lo em um direito básico. Transporte público gratuito e de qualidade traz avanços enormes para o direito à cidade, facilitando o acesso a todas as partes da cidade, contribuindo para torná-la menos segregada.

A questão que é preciso ressaltar, porém, é outro ponto da mobilidade que, aparentemente, não estava em pauta nas reivindicações e nem muito presente nas discussões, mas que está sempre embutida em qualquer protesto: rua cheia de gente é melhor que rua cheia de carro! 
Estar numa manifestação significa recuperar um espaço que normalmente é opressor ao pedestre que é a via dos carros. As imagens dos protestos são simbólicas também porque subvertem uma ordem: lugares que estamos acostumados a ver apenas como trânsito de automóveis tornam-se lugares de acontecimentos e encontro de pessoas. 

É a cidade como deveria ser. E se nossas ruas cheias de gente fossem a regra e não a exceção?

É claro que não estamos falando de grandes multidões concentradas no mesmo trecho, como nas imagens dos protestos, mas sim da rua sendo pensada prioritariamente para o trânsito cotidiano de pessoas. Em tempos em que tanto se fala de reforma política e do aprimoramento da democracia, essas mudanças devem ser acompanhadas de uma reforma urbana que permita a vida coletiva em espaços compartilhados, que só se dará efetivamente quando planejarmos nossas cidades tendo o pedestre como prioridade. Não podemos perder de vista que a mobilidade urbana é um instrumento crucial para que possamos democratizar a cidade.

É perceptível que uma grande parcela dessa juventude insatisfeita está apenas agora descobrindo a política e a rua. Esse momento deve ser bem aproveitado. Boa parte dessa geração (principalmente de classe média e alta) foi criada fora da rua, aprendendo desde cedo a temê-la, mas deixando de aprender sobre a vivência coletiva, sobre se relacionar com o diferente e estranho, sobre cidadania enfim. Resta-nos cobrar que os mesmos que gritaram “vem pra rua” permaneçam usando a rua, agora no dia-a-dia.

Reivindicar melhores calçadas é necessariamente reivindicar uma cidade melhor para todos. É claro que calçadas não dão conta de toda a necessidade de locomoção, por isso é necessário pensá-las em conjunto com um sistema de transporte público de qualidade e gratuito. No entanto, esses avanços devem ser acompanhados de medidas que restrinjam o espaço dos carros. Assumir as calçadas como prioridade de tal forma que o seu dimensionamento adequado seja atendido, mesmo que isso resulte em diminuição das vias para automóveis. Isso é outro fator que os protestos deixam claro: pra reconquistar as ruas, temos que incomodar quem detém o privilégio delas. Dinheiro e espaço público devem ser utilizados para o bem coletivo. Portanto, o poder público deve parar de tentar resolver engarrafamentos de carros e investir prioritariamente em transportes públicos e coletivos.

Daqui pra frente deverão ser anunciados diversos investimentos na área da Mobilidade Urbana e precisamos lutar para que esses investimentos sejam bem empregados. É importante lembrar que muitas obras de mobilidade estão servindo de desculpa para remoções arbitrárias por parte do Estado. Isso torna ainda mais relevante a discussão acerca da definição das prioridades. Hoje parece mais absurdo diminuir uma via de carros do que remover casas. Essa lógica tem que mudar.

Por fim, fica a vontade de que esses dias conturbados tragam também uma mudança em como usamos nossas cidades e que a rua volte a ser a protagonista das nossas relações sociais.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Barroso: o país precisa desesperadamente de reforma política

por Agência Brasil - Carolina Gonçalves e Karine Melo

Antonio Cruz / ABr
Brasília – Na véspera da posse como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso disse que o país precisa “desesperadamente” de uma reforma política. Depois de se encontrar com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para entregar o convite da cerimônia de posse marcada para essa quarta-feira 26, às 14h30, Barroso afirmou que esse é um sentimento geral da população.

“Se pudermos aproveitar este momento e esta energia contestatória para conduzir uma reforma política teremos [como] transformar o limão em uma limonada”, afirmou.

Na avaliação de Barroso, a proposta da presidenta Dilma Rousseff é constitucional, afastando rumores levantados por alguns parlamentares que questionavam a legalidade da realização de um plebiscito e da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para discutir a matéria.

“O Congresso Nacional, por emenda constitucional, pode conduzir a reforma política diretamente, se desejar. Por emenda constitucional, pode convocar plebiscito submetendo uma proposta de reforma política. E, se entender, pode deliberar pela convocação de órgão específico para elaboração de uma reforma política”, afirmou. Disse que a Constituinte pode apenas ter caráter de reforma e não funcionar como órgão originário.

O advogado disse que a população não vive em um “um país convulsionado”. E acrescentou: “Temos instituições funcionando. Queremos manter o país, em grande parte, tal como está. Não vivemos um momento constituinte originário”.

Reforçou tese que publicou há dois anos sobre a reforma política necessária para o país: “Há dois anos escrevi que não achava quer era o caso, em nenhuma hipótese, de convocar uma Assembleia Constituinte para refundar o Brasil. Diferentemente, [a proposta colocada pela presidenta Dilma Rousseff equivale] à situação de um poder constituinte reformador, que é titularizado pelo Congresso”, concluiu

Para afastar o dinheiro da política

via Bruno Perdigão

por Paulo Moreira Leite

Depois de passar os últimos quinze dias em brados onde tentava reaprender a Marselhesa em cursos à distância, nossa oposição conservadora só precisou ouvir a proposta de uma Constituinte exclusiva para realizar a reforma política para voltar à melodia de sempre, longe do povo, procurando ensaiar o coro ridículo de denunciar de chavismo e autoritarismo.

Vamos combinar que pode haver uma crítica técnica aqui. Alguns juristas dizem – ou disseram – que não cabe fazer uma Constituinte parcial, para discutir um tema específico. Vamos ver.

Também ouvi quem dissesse que seria possível resolver a reforma política por uma PEC, mais fácil de fazer e de aprovar. Mas este argumento é politicamente ilusório. Em sua configuração atual, o Congresso rejeitou e muito provavelmente rejeitará toda reforma política. Há poucos meses, na última tentativa do deputado Henrique Fontana (PT-RS), que há anos se dedica ao assunto na Câmara, o projeto sequer foi a plenário por falta de apoio do PMDB, PSDB e DEM.

Seja como for, está na cara que se pretende usar questões jurídicas – que podem ser relevantes – para fugir do debate essencial. Já que não convém assumir abertamente uma posição impopular, ainda mais quando se pretende uma aproximação em relação a manifestantes que fazem exibições ferozes pela rua, vamos tergiversar, não é mesmo?

A reforma política foi uma opção para o governo Dilma usar de suas atribuições presidenciais e dialogar com os protestos. Pode ou não dar certo, como se sabe.

Como a política real exclui santos e seres angelicais, o esforço para bloquear essa ideia é uma tentativa de imobilizar o governo, aprofundar a paralisia do país e esperar pelo pior até 2014.

Quando a disputa fica séria, volta-se a judicialização da política. Não por acaso, ministros do STF já foram recrutados para falar do assunto, antes que os próprios políticos se manifestem.

O debate da reforma é especialmente relevante porque cria a possibilidade de eliminar o uso de dinheiro privado na política. Este é um drama importante, que envolve os grandes partidos políticos, do governo Dilma e também da oposição. Em campanha, nenhum dispensa contribuições privadas.

Um projeto das entidades que criaram o movimento Ficha Limpa, anunciado ontem em Brasília, permite que o cidadão comum dê uma contribuição de até um salário mínimo anual aos cofres partidários. Pretende-se assegurar o direito de cada um ajudar o partido de sua preferência. Sem fazer juízos finais, não custa lembrar que, quando eu era correspondente em Washington, escrevi uma reportagem sobre o sistema eleitoral americano. Contei que, para escapar do limite de contribuições individuais, grandes corporações usavam seus funcionários como laranjas. Com autorização dos empregados, destinavam uma parte de seus salários aos fundos do partido preferido por seus acionistas. Este acerto era feito no momento da contratação, quando é mais fácil obter o consentimento dos assalariados.

As relações entre política e dinheiro são um ponto essencial quando se discute como o País pode livrar-se da corrupção, prática que, em essência, consiste em alugar os poderes públicos para atender a interesses privados.

Nossa Constituição diz que cada homem vale um voto. Mas as regras de nosso sistema eleitoral permitem que você tenha um eleitor que vale um voto – e outro que vale 1 bilhão de reais. Imagine quantos votos ele pode comandar e definir. Não é só isso.

Quando se considera que temos um sistema de comunicações monopolizado e privado, com uma definição ideológica muito clara, que permite que interesses particulares transitem pelo espaço público e vice-versa, num processo despudorado e muitas vezes descarado, como se viu na cobertura dos protestos, mas também em campanhas eleitorais e em outros momentos historicamente decisivos, podemos ter uma noção clara do que está em debate. Antes que as denuncias do mensalão tivesse produzido um reforço na hipocrisia dos meios políticos, falava-se abertamente de fortunas construídas a partir de “sobras de campanha.” Quem não lembra disso?

Se você reescrever, num puro exercício teórico, a história dos partidos políticos brasileiros a luz de nosso sistema eleitoral, irá comprovar que os grandes desvios, os esquemas de corrupção e distorções que o dinheiro produziu sequer teriam ocorrido se não houvesse este sistema que privilegia o poder econômico como exercício principal para domesticar a vontade popular, cooptar lideranças instáveis e impedir avanços indispensáveis. Sem deixar de reconhecer as vitórias essenciais no plano das liberdades públicas e dos direitos individuais, e também na importância do voto popular, apesar de todas distorções, a Nova República trocou as baionetas militares pelo dinheiro grosso da alta sociedade civil. Foi a grana que criou um movimento chamado Centrão, que domesticou a Constituinte e, anos depois, garantiu reformas que eliminaram capítulos da carta de 1988 considerados nocivos ao capital estrangeiro e ao grande negócio. Foi ela que deu vida real a candidaturas conservadoras que não teriam vida fora de um pote de conserva. E foi esse dinheiro que condicionou grande parte do debate político, criando certos temas que se tornaram tabu porque envolvem interesses intocáveis. Num exemplo definitivo: se foi possível cortar recursos para saúde com o fim da CPMF não é possível nem sobre a criação de um imposto sobre grandes fortunas.

Não há nada de errado quando esse dinheiro grosso procura expressão política. Mas isso pode ser feito de modo civilizado, a partir de entidades e instituições culturais que disputam o espaço público, alimentam o debate sobre temas relevantes e até oxigenam o universo das ideias.

Não vale para comprar voto, certo?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Corrupção e gastos: Brasil, é hora de olhar para o espelho

Via Bruno Perdigão

POR BOB FERNANDES

Dos 0,20 centavos dos ônibus e metrôs para a corrupção e desperdício de dinheiro público foi só um passo. O tema, embalado pelas "obras da Copa", está na agenda e nas ruas. Um ótimo momento para milhões de brasileiros olharem também, com muita atenção, para o espelho.
Porque, consequência inevitável, não existe corrupção sem corruptores. E corruptos e corruptores têm que, também inevitável, ter nascido e se criado em algum canto do planeta Terra.

Ainda, também uma evidência lógica, corruptos e corruptores moram e vivem, corrompem e são corrompidos em alguma cidade, estado, país. Que, no caso, certamente alguns se surpreenderão, é… no Brasil.

Além da Presidência e vice-presidência da República, no momento ocupadas por Dilma Rousseff e Michel Temer, o Brasil tem 27 governadores e 27 vice-governadores, 81 senadores, 513 deputados federais, 5.561 prefeitos, 5.561 vice-prefeitos, 1.059 deputados estaduais e 60.320 vereadores.

Assim, numa conta ligeira e certamente sujeita a imprecisões, o Brasil tem 73.149 "políticos", esses seres objeto de crescente repulsa. Cabem, em meio a tanta rejeição, algumas perguntas:
  •  De que planeta vieram os "políticos"? Chegaram ao Brasil numa nave especial, vindo de uma outra galáxia? Ou, talvez, algo mais próximo, como Júpiter?
  • Aplique-se, por hipótese, uma taxa mínima na média de renovação de mandatos, algo como 25% no tempo em que se dão eleições em todos os níveis e se chega a mais uns 18 mil novos "políticos" a cada quatro anos.
  • Por essa conta, e a renovação estimada muito por baixo desde a redemocratização, em 1985, tivemos desde então algo como 110 mil cidadãos e cidadãs com novos mandatos parlamentares. Os tais "políticos".
  • Pergunta-se: De que planeta eles vieram? Onde, em que cultura, adquiriram esse odiento hábito, o da gatunagem que, ao que parece, é tão estranho aos brasileiros?
  • Outra pergunta: um "político" nasce com determinação genética para tal? É uma cidadã, um cidadão programado para maus hábitos e por isso se torna "político"?
Notemos alguns números em torno do mundo destes seres. Estatísticas atribuídas ao Brasil.
  • O Brasil tem um Produto Interno Bruto estimado em R$ 4,14 trilhões. Leio que estima-se a corrupção em até 2,4% do PIB. Portanto, uns R$ 100 bilhões. Estimativas mais modestas apontam para R$ 70 bilhões/ano.
  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relata que 2.918 ações e procedimentos relativos à corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa prescreveram por falta de julgamento em 2012.
  • Ou seja, em quase 3 mil casos os responsáveis escaparam por falta de julgamento. Por outro lado, em 1.637 ações na Justiça 205 terminaram em condenação.
  • Ainda a Justiça e corrupção: tornaram-se ações 1.763 denúncias contra acusados de corrupção e lavagem de dinheiro e 3.742 procedimentos judiciais relacionados à prática de improbidade administrativa.
  • No final do ano tramitavam 25.799 ações sobre corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade. Os réus nessas ações são centenas de milhares de brasileiros. Se não prescrever, deverão ser julgados.
Parênteses. Nos idos do governo Collor estimava-se que as operações comandadas por PC Farias subtraíram mais ou menos R$ 1 bilhão.
  • No rastro daquilo, a Polícia Federal indiciou mais de 400 empresas e 110 grandes empresários. Só um grande personagem foi condenado. O finado PC Farias. Tudo mais prescreveu.
De volta à Justiça.
  • O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), rastreou e mostrou: entre 2000 e 2010 as movimentações financeiras atípicas nos tribunais somaram R$ 855 milhões.
  • Ou seja, excetuado o que é feito com cuidado ou a miuçalha, em 10 anos beirou o bilhão o dinheiro suspeito a circular pelos tribunais e seus altos e baixos funcionários, segundo o insuspeito Coaf.
Pergunta-se: em que planeta moram e trabalham, de onde vieram funcionários da Justiça suspeitos de embolsar pelo menos R$ 855 milhões de forma heterodoxa?

O ex-secretário da receita federal nos governos FHC, o atilado Everardo Maciel, relata: habitantes no Brasil, de todas as classes socais, devem – dívida já inscrita na União- mais de R$ 1 trilhão em impostos.
Não pagos por N motivos, ilegais e mesmo legais. E, claro, de muitos se ouvirá o fraseado “não pago porque vão roubar mesmo”.
Em tempo: em precatórios e assemelhados, o Estado e os estados brasileiros devem mais de R$ 100 bilhões aos cidadãos.
Pergunta: os que não pagam o R$ 1 trilhão em impostos são de onde? E que cultura admite Estado e estados não pagarem aos seus cidadãos uma dívida de mais de R$ 100 bilhões?

Como se vê e se verá na fúria dos fakes de redes socais e de alguns grupelhos fascistoides que têm se infiltrado na legítimas e democráticas manifestações nas ruas do Brasil, há os que sentem saudade do passado.

São os filhos, netos e já bisnetos da ditadura. Esse pessoal que ama Jair Bolsonaro, que baba ódio nas redes e prega um certo "Partido Militar".
Sem entrar em maiores considerações quanto aos 21 anos de ditadura, até porque a história já o fez, recordemos alguma coisa daquele passado.

No início dos anos 70, tendo o também general Golbery do Couto e Silva como grande mentor, o general e futuro presidente-ditador, Ernesto Geisel, revelou porque sentia-se obrigado a fazer a "Abertura Política".

Às páginas 150 e 151 do seu livro “História indiscreta da ditadura e da abertura, 1964-1985-“ o ex-ministro Ronaldo Costa Couto reproduz frase de Geisel ao Almirante Faria Lima:
- (…) Porque a corrupção nas Forças Armadas está tão grande, que a única solução para o Brasil é a abertura…
Frases nesse mesmo sentido são atribuídas ao ex-presidente e general Castelo Branco e ao ex-ministro da Justiça e censor-mór da ditadura Armando Falcão.

De que planeta eram eventuais corruptos e corruptores daqueles tristes tempos de tortura, silêncio obrigatório e assassinatos políticos?
Ardorosos defensores do passado citam como novidadeiro, e fruto apenas da “política” de hoje a corrupção, e o desperdício de dinheiro público.

Encerremos com uns poucos entre muitos exemplos:
Transamazônica. Para, entre outros motivos, povoar a região e evitar a ocupação por estrangeiros, o governo dos anos 70 imaginou e fez construir uma estrada de 4.162 km. Ao custo de US$ 12 bilhões.
A amazônica estrada de R$ 35 bilhões – a preços de hoje-, segue com 2.200 Km ainda sem pavimentação.

Escândalo da Mandioca. Em Pernambuco, entre 1979 e 1981. Da agência do Banco do Brasil de Floresta desviaram Cr$ 1,5 bilhão (R$ 20 milhões) do Programa de Incentivo Agrícola, o PROAGRO.
Quem apurou e denunciou foi o procurador Pedro Jorge de Melo e Silva. Que terminou assassinado no dia 3 de Março de 1982.
Uma lista dos casos de então seria longa, exaustiva. Em 21/01/1983, o Banco Central decretou intervenção nas sociedades de crédito imobiliário do Grupo Delfin.
O grupo tinha a maior empresa privada de poupança do país, com mais de três milhões de depositantes, em 83 agências.
Jornais daqueles tempos, os alternativos que lutavam contra a censura, relataram gatunagem em obras como a hidrelética de Itaipu. E em certos contratos na Petrobras.
De tudo aquilo e muito mais, e sem poder ir às ruas como hoje, quanto se soube no país sob ditadura e censura?

E de que planeta vieram, ao longo desse meio século, da ditadura à redemocratização, os cidadãos e cidadãs que fizeram e permitiram que se fizesse tanto?
http://terramagazine.terra.com.br/bobfernandes/blog/2013/06/24/corrupcao-e-gastos-brasil-e-hora-de-olhar-para-o-espelho/

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Está tudo tão estranho, e não é à toa.

Via Monique Linhares

por Marília Moschkovich

1. Contexto é bom e mantém a pauta no lugar

Hoje é dia 18 de junho de 2013. Há uma semana, no dia 10, cerca de 5 mil pessoas foram violentamente reprimidas pela Policia Militar paulista na Avenida Paulista, símbolo da cidade de São Paulo. Com a transmissão dos horrores provocados pela PM pela internet, muitas pessoas se mobilizaram para participar do ato seguinte, que seria realizado no dia 13. A pauta era a revogação no aumento das tarifas de ônibus, que já são caras e já excluem diversos cidadãos se seu direito de ir e vir, frequentando a própria cidade onde moram.

No dia 13, então, aconteceu a primeira coisa estranha, que acendeu uma luzinha amarela (quase vermelha de tão laranja) na minha cabeça: os editoriais da folha e do estadão aprovavam o que a PM tinha feito no dia 10 de junho e, mais do que isso, incentivavam ações violentas da PM “em nome do trânsito” [aliás, alguém me faz um documentário sensacional com esse título, faz favor? ]. Guardem essa informação.

Logo após esses editoriais, no fim do dia, a PM reprimiu cerca de 20 mil pessoas. Acompanhei tudo de casa, em outra cidade. Na primeira hora de concentração para a manifestação foram presas 70 pessoas, por sua intenção de participar do protesto. Essa intenção era identificada pela PM com o agora famoso “porte de vinagre” (já que vinagre atenua efeitos do gás lacrimogêneo). Muitas pessoas saíram feridas nesse dia e, com os horrores novamente transmitidos - mas dessa vez também pelos grandes meios de comunicação, inclusive esses dos editoriais da manhã, que tiveram suas equipes de reportagem gravemente feridas -, muita gente se mobilizou para o próximo ato.

2. Desonestidade pouca é bobagem

No próprio dia 13, à noite, aconteceu a segunda “coisa estranha”. Logo no final da pancadaria na região da Paulista, sabíamos que o próximo ato seria na segunda-feira, dia 17 de junho. Me incluíram num evento no Facebook, com exatamente o mesmo nome dos eventos do MPL, as mesmas imagens, bandeiras, etc. Só que marcado para sexta-feira, o dia seguinte. Eu dei “ok”, entrei no evento, e comecei a reparar em posts muito, mas muito esquisitos. Bandeiras que não eram as do MPL (que conheço desde adolescente), discursos muito voltados à direita, entre outros. O que estava ali não era o projeto de cidade e de país que eu defendo, ou que o MPL defende.

Dei uma olhada melhor: eram três pessoas que haviam criado o evento. Fucei o pouco que fica público no perfil de cada um. Não encontrei nenhuma postagem sobre nenhuma causa política. Apenas postagens sobre outros assuntos. Lá no fim de um dos perfis, porém, encontrei uma postagem com um grupo de pessoas em alguma das tais marchas contra a corrupção. Alguma coisa com a palavra “Juventude”, não me lembro bem. Ficou claro que não tinha nada a ver com o MPL e, pior que isso, estavam tentando se passar pelo MPL.

Alguém me deu um toque e observei que a descrição dizia o trajeto da manifestação (coisa que o MPL nunca fez, até hoje, sabiamente). Além disso, na descrição havia propostas como “ir ao prédio da rede globo” e “cantar o hino nacional”, “todos vestidos de branco”. O alerta vermelho novamente acendeu na minha cabeça. Hino nacional é coisa de integralista, de fascista. Vestir branco é coisa de movimentos em geral muito ou totalmente despolitizados. Basta um mínimo de perspectiva histórica pra sacar. Pois bem.

Ajudei a alertar sobre a desonestidade de quem quer que estivesse organizando aquilo e meu alerta chegou a uma das pessoas que, parece, estavam envolvidas nessa organização (ou conhecia quem estava). O discurso dela, que conhece alguém que eu conheço, era totalmente despolitizado. Ela falava em “paz”, “corrupção” e outras palavras de ordem vazias que não representam reivindicação concreta alguma, e muito menos um projeto de qualquer tipo para a sociedade, a cidade de São Paulo, etc. Mais um pouco de perspectiva histórica e a gente entende no que é que palavras de ordem e reivindicações vazias aleatórias acabam. Depois de fazer essa breve mobilização na internet com várias outras pessoas, acabaram mudando o nome e a foto do evento, no próprio dia 13 de noitão. No dia seguinte transferiram o evento para a segunda-feira, “para unir as forças”, diziam.


3. E o juiz apita! Começa a partida!

Seguiu-se um final de semana extremamente violento em diversos lugares do país. Era o início da Copa das Confederações e muitos manifestantes foram protestar pelo direito de protestarem. O que houve em sp mostrou que esse direito estava ameaçado. Além disso, com a tal “lei da copa”, uma legislação provisória que vale durante os eventos da FIFA, em algumas áreas publicas se tornam proibidas quaisquer tipos de manifestações políticas. Quer dizer, mais uma ameaça a esse direito tão fundamental numa [suposta] democracia.

No final de semana as manifestações não foram tão grandes, mas significativas em ao menos três cidades: Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. No DF e no RJ as polícias militares seguiram a receita paulista e foram extremamente violentas. A polícia mineira, porém, parecia um exemplo de atuação cidadã, que repassamos, compartilhamos e apoiamos em redes sociais do lado de cá do sudeste.

Não me lembro bem, mas acho que foi no intervalo entre uma coisa e outra que percebi a terceira “coisa estranha”. Um pouco depois do massacre na região da Paulista, e um pouco antes do final de semana de horrores, mais um sinal: ficamos sabendo que uma conhecida distante, depois do dia 13, pegou um ônibus para ir ao Rio de Janeiro. Essa pessoa contou que a PM paulista parou o ônibus na estrada, antes de sair do Estado de São Paulo. Mandaram os passageiros descerem e policiais entraram no veículo. Quando os passageiros subiram novamente, todas as coisas, bolsas, malas e mochilas estavam reviradas. A policial perguntou a essa pessoa se ela tinha participado de algum dos protestos. Pediu pra ver o celular e checou se havia vídeos, fotografias, etc.

Não à toa e no mesmo “clima”, conto pra vocês a quarta “coisa estranha”: descobrimos que, após o ato em BH, um rapaz identificado como uma das lideranças políticas de lá foi preso, em sua casa. Parece que a nossa polícia exemplar não era tão exemplar assim, mas agora ninguém compartilhava mais. Coisas semelhantes aconteceram em Brasília, antes mesmo das manifestações começarem.


4. Sequestraram a pauta?

Então veio a segunda-feira. Dia 17 de junho de 2013. Ontem. Havia muita gente se prontificando a participar dos protestos, guias de segurança compartilhados nas redes, gente montando pontos de apoio, etc. Uma verdadeira mobilização para que muita gente se mobilizasse. Estávamos otimistas.

Curiosamente, os mesmos meios de comunicação conservadores que incentivaram as ações violentas da PM na quinta-feira anterior (13) de manhã, em seus editoriais, agora diziam que de fato as pessoas deveriam ir às ruas. Só que com outras bandeiras. Isso não seria um problema, se as pessoas não tivessem, de fato, ido à rua com as bandeiras pautadas por esses grupos políticos (representados por esses meios de comunicação). O clima, na segunda-feira, era outro. Era como se a manifestação não fosse política e como se não estivesse acontecendo no mesmo planeta em que eu vivo. Meu otimismo começou a decair.

A pauta foi sequestrada por pessoas que estavam, havia alguns dias, condenando os manifestantes por terem parado o trânsito, e que são parte dos grupos sociais que sempre criminalizaram os movimentos sociais no Brasil (representados por um pedaço da classe política, estatisticamente o mais corrupto - não, não está nem perto de ser o PT -, e pelos meios de comunicações que se beneficiam de uma política de concessões da época da ditadura). De repente se falava em impeachment da presidenta. As pessoas usavam a bandeira nacional e se pintavam de verde e amarelo como ordenado por grandes figurões da mídia de massas, colunistas de opinião extremamente populares e conservadores.

As reações de militantes variavam. Houve quem achasse lindo, afinal de contas, era o povo nas ruas. Houve quem desconfiasse. Houve quem se revoltasse. Houve quem, entre todos os sentimentos possíveis, ficasse absolutamente confuso. Qualquer levante popular em que a pauta não é muito definida cria uma situação de instabilidade política que pode virar qualquer coisa. Vimos isso no início do Estado Novo e no golpe de 1964, ambos extremamente fascistas. Não quer dizer que desta vez seria igual, mas a história me dizia pra ficar atenta.


5. Não, sequestraram o ato!

A passeata do dia 17, segunda-feira, estava marcada para sair do Largo da Batata, que fica numa das pontas da avenida Faria Lima. Não se sabia, não havia decisão ainda, do que se faria depois. Aos que não entendem, a falta de um trajeto pré-definido se justifica muito bem por duas percepções: (i) a de que é fácil armar emboscadas para repressão quando divulga-se o trajeto; e, (ii) mais importante do que isso, a percepção de que são as pessoas se manifestando, na rua, que devem definir na hora o que fazer. [e aqui, se vocês forem espertos, verão exatamente onde está a minha contradição - que não nego, também me confunde]

A passeata parecia uma comemoração de final de copa do mundo. Irônico, não? Começamos a teorizar (sem muita teoria) que talvez essa fosse a única referência de manifestações públicas que as pessoas tivessem, em massa:o futebol. Os gritos eram do futebol, as palavras de ordem eram do futebol. Muitas camisetas também eram do futebol.Havia inclusive uns imbecis soltando rojões, o que não é muito esperto pois pode gerar muito pânico considerando que havia poucos dias muita gente ali tinha sido bombardeada com gás lacrimogêneo. Havia pessoas brincando com fogo. [guardem essa informação do fogo também]

Agora uma pausa: vocês se lembram do fato estranho número dois? O evento falso no facebook? Bom, o trajeto desse evento falso incluía a Berrini, a ponte Estaiada e o palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado. Reparem só.

Quando a passeata chegou ao cruzamento da Faria Lima com a Juscelino, fomos praticamente empurrados para o lado direito. Nessa hora achamos aquilo muito esquisito. Em nossas cabeças, só fazia sentido ir à Paulista, onde havíamos sido proibidos de entrar havia alguns dias. Era uma questão de honra, de simbologia, de tudo. Resolvemos parar para descobrir se havia gente indo para o lado oposto e subindo a Brigadeiro até a Paulista. Umas amigas disseram que estavam na boca do túnel. Avisei pra não irem pelo túnel que era roubada. Elas disseram então que estavam seguindo a passeata pela ponte, atravessando a Marginal Pinheiros.

Demoramos um tanto pra descobrirmos, já prontos pra ir para casa broxados, que havia gente subindo para o outro lado. Gente indo à esquerda. Era lá que preferíamos estar. Encontramos um outro grupo de pessoas conhecidas e amigas e seguimos juntos. As palavras de ordem não mudaram. Eram as mesmas em todos os lugares. As pessoas reproduziam qualquer frase de efeito tosca de manira acrítica, sem pensar no que estavam dizendo. Efeito “multidão”, deve ser.

As frases me incomodaram muito. Nem uma só palavra sobre o governador que ordenara à PM descer bala, cassetete e gás na galera havia poucos dias. Que promove o genocídio da juventude negra nessa cidade todos os dias, há 20 anos. Nem mesmo uma. Os culpados de todos os problemas do mundo, para os verde-amarelos-bandeira-hino eram o prefeito e a presidenta. Ou essas pessoas são ignorantes, ou são extremamente desonestas.

Nem chegamos à Paulista, incomodados com aquilo. Fomos para casa nos sentindo muito esquisitos. Aí então conseguimos entender que aquelas pessoas do evento falso no facebook tinham conseguido de alguma maneira manobrar uma parte muito grande de pessoas que queria ir se manifestar em outro lugar. A falta de informação foi o que deu poder para esse grupo naquele momento específico. Mas quem era esse grupo? Não sei exatamente. Mas fiquei incomodada.


6. O centro em chamas.

Quem diria que essa sensação bizarra e sem nome da segunda-feira faria todo sentido no dia seguinte? Fez. Infelizmente fez. O dia seguinte, “hoje”, dia 18 de junho de 2013, seria decisivo. Veríamos se as pessoas se desmobilizariam, se a pauta da revogação do aumento se fortaleceria. Essa era minha esperança que, infelizmente, não se confirmou. A partir daqui são todos fatos recentes, enquanto escrevo e vou tentar explica-los em ordem cronológica. Aviso que foram fazendo sentido aos poucos, conforme falávamos com pessoas, ouvíamos relatos, descobríamos novas informações. Essa é minha tentativa de relatar o que eu vi, vivi, experienciei.

No fim da tarde, pegamos o metrô Faria Lima lotadíssimo um pouco depois do horário marcado para a manifestação. Perguntei na internet, em redes sociais, se o ato ainda estava na concentração ou se estava andando, e para onde. Minha intenção era saber em qual estação descer. Me disseram, tomando a televisão como referencia (que é a referencia possível, já que não havia um único comunicado oficial do MPL em lugar algum) que o ato estava na prefeitura. Guardem essa informação.

Fomos então até o metrô República. Helicópteros diversos sobrevoavam a praça e reparei na quinta “coisa estranha”: quase não havia polícia. Acho que vimos uns três ou quatro controlando curiosamente a ENTRADA do metrô e não a saída… Quer dizer, quem entrasse no metro tinha mais chance de ser abordado do que quem estava saindo, ao contrário do dia 13.

A manifestação estava passando ali e fomos seguindo, até que percebemos que a prefeitura era outro lado. Para onde estavam indo essas pessoas? Não sabíamos, mas pelos gritos, pelo clima de torcida de futebol, sabíamos que não queríamos estar ali, endossando algo em que não acreditávamos nem um pouco e que já estávamos julgando ser meio perigoso. Quando passamos em frente à câmara de vereadores, a manifestação começou a vaiar e xingar em massa. Oras, não foram eles também que encheram aquela câmara com vereadores? O discurso de ser “apolítico” ou “contra” a classe política serve a um único interesse, a história e a sociologia nos mostram: o dos grupos conservadores para continuarem tocando a estrutura social injusta como ela é, sem grandes mudanças. Pois era esse o discurso repetido ali.

Resolvemos então descer pela rua Jandaia e tentar voltar à Sé, pois disseram nas redes sociais que o ato real, do MPL, estava no Parque Dom Pedro. Como aquilo fazia mais sentido do que um monte de pessoas bem esquisitas, com cartazes bem bizarros, subindo para a Paulista, lá fomos nós.

Outro fato estranho, número seis: no meio da Rua Jandaia, num local bem visível para qualquer passante nos viadutos do centro, um colchão em chamas. A manifestação sequer tinha passado ali. Uma rua deserta e um colchão em chamas. Para quê? Que tipo de sinal era aquele? Quem estava mandando e quem estava recebendo? Guardamos as mascaras de proteção com medo de sermos culpados por algo que não sabíamos sequer de onde tinha vindo e passamos rápido pela rua.

Cruzamos com a mesma passeata, mais para cima, que vinha lá da região que fica mais abaixo da Sé, mas não sabíamos ainda de onde. Atrás da catedral, esperamos amigos. Uma amiga disse que o marido estava chateado porque não conseguiu pegar trem na Vila Olímpia. Achamos normal, às vezes a CPTM trava mesmo, daí essa porcaria de transporte e os protestos, etc. pois bem. Guardem a informação.

Uma amiga ligou dizendo que estava perto do teatro municipal e do Vale do Anhangabaú, que estava “pegando fogo”. Imbecil que me sinto agora, na hora achei que ela estava falando que estava cheio de gente, bacana, legal. [que tonta!] Perguntei se era o ato do MPL, se tinha as faixas do MPL. Ela disse que sim mas não confiei muito.Resolvemos ir ver.

[A partir daqui todos os fatos são “estranhos”. Bem estranhos.]

O clima no centro era muito tenso quando chegamos lá. Em nenhum dos outros lugares estava tão tenso. Tudo muito esquisito sem sabermos bem o quê. Os moradores de rua não estavam como quem está em suas casas. Os moradores de rua estavam atentos, em cantos, em grupos. Poucos dormiam. Parecia noite de operação especial da PM (quem frequenta de verdade a cidade de São Paulo, e não apenas o próprio bairro, sabe bem o que é isso entre os moradores de rua).

Só que era ainda mais estranho: não havia polícia. Não havia polícia no centro de São Paulo à noite. No meio de toda essa onda. Não havia polícia alguma. Nadinha de nada, em lugar nenhum.

Na Sé, descobrimos mais ou menos o caminho e fomos mais ou menos andando perto de outras pessoas. Um grupo de franciscanos estava andando perto de nós, também. Vimos uma fumaça preta. Fogo. MUITO fogo. Muito alto. O centro em chamas.

Tentamos chegar mais perto e ver. Havia pessoas trepadas em construções com latas de spray enquanto outros bradavam em volta daquela coisa queimando que não conseguíamos identificar. Outro colchão? Os mesmos que deixaram o colchão queimando na Jandaia? Mas quem eram eles?

De repente algumas pessoas gritaram e nós,mais outros e os franciscanos, corremos achando que talvez o choque estaria avançando. Afinal de contas, era óbvio que a polícia iria descer o cacete em quem tinha levantado aquele fogaréu (aliás, será que ela só tinha visto agora, que estava daquele tamanho todo?). Só que não.

Na corrida descobrimos que era a equipe da TV Record. Estavam fugindo do local - a multidão indo pra cima deles - depois de terem o carro da reportagem queimado. Não, não era um colchão. Era o carro de reportagem de uma rede de televisão. O olhar no rosto da repórter me comoveu. Ela, como nós, não conseguia encontrar muito sentido em tudo que estava acontecendo. Ao lado de onde conversávamos, uns quatro policiais militares. Parados. Assistindo o fogo, a equipe sendo perseguida… Resolvemos dar no pé que bobos nós não somos. Tinha algo muito, mas muito errado (e estranho) ali.

Voltamos andando bem rápido para a Sé, onde os moradores de rua continuavam alertas, e os franciscanos tentavam recolher pertences caídos pelo chão na fuga e se organizarem novamente para dar continuidade a sua missão. Nós não fomos tão bravos e decidimos voltar para nossas casas.


7. Prelúdio de um… golpe?

No metrô um aviso: as estações de trem estavam fechadas. É, pois é, aquela coisa que havíamos falado antes e tal. Mal havíamos chegado em casa, porém, uma conhecida posta no facebook que um amigo não conseguiu chegar em lugar nenhum porque algumas pessoas invadiram os trilhos da CPTM e várias estações ficaram paradas, fechadas. Não era caos “normal” da CPTM, nem problemas “técnicos” como a moça anunciava. Era de propósito. Seriam os mesmos do colchão, do carro da Record?

Lemos, em seguida, em redes sociais, que havia pessoas saqueando lojas e destruindo bancos no centro. Sabíamos que eram o mesmos. Recebi um relato de que uma ocupação de sem-teto foi alvo de tentativa (?) de incêndio. Naquele momento sabíamos que, quem quer que estivesse por trás do “caos” no centro, da depredação de ônibus na frente do Palácio dos Bandeirantes no dia anterior, de tentativas de criar caos na prefeitura, etc. não era o MPL. Também sabíamos que não era nenhum grupo de esquerda: gente de esquerda não quer exterminar sem-teto. Esse plano é de outro grupo político, esse que manteve a PM funcionando nos últimos 20 anos com a mesma estrutura da época da ditadura militar.

Algum tempo depois, mais uma notícia: em Belo Horizonte, onde já se fala de chamar a Força Nacional e onde os protestos foram violentíssimos na segunda-feira (culminando inclusive em morte), havia ocorrido a mesma coisa. Depredação total do centro da cidade, sem nenhum policial por perto. Nenhunzinho. Muito estranho.

Nessa hora eu já estava convencida de que estamos diante de uma tentativa muito séria de golpe, instauração de estado de exceção, ou algo do tipo. Muito séria. Muito, muito, muito séria. Postei algumas coisas no facebook, vi que havia pessoas compartilhando da minha sensação. Sobretudo quem havia ido às ruas no dia de hoje.

Um pouquinho depois, outra notícia: a nova embaixadora dos EUA no Brasil é a mesma embaixadora que estava trabalhando no Paraguai quando deram um golpe de estado em Fernando Lugo.

Me perguntaram e eu não sei responder qual golpe, nem por que. Mas se o debate pela desmilitarização da polícia e pelo fim da PM parece que finalmente havia irrompido pelos portões da USP, esse seria um ótimo motivo. Nem sempre um golpe é um golpe de Estado. Em 1989 vivemos um golpe midiático de opinião pública, por exemplo. Pode ser que estejamos diante de outro. Essa é a impressão que, ligando esses pontos, eu tenho.

Já vieram me falar que supor golpe “desmobiliza” as pessoas, que ficam em casa com medo. De forma alguma. Um “golpe” não são exércitos adentrando a cidade. Não necessariamente. Um “golpe” pode estar baseado na ideia errônea de que devemos apoiar todo e qualquer tipo de indignação, apenas porque “o povo na rua é tão bonito!”.

Curiosamente, quando falei sobre a manifestação do dia 13 com meus alunos, no dia 14, vários deles me perguntaram se havia chances de golpes militares, tomadas de poder, novas ditaduras. A minha resposta foi apenas uma, que ainda sustento sobre este possível golpe de opinião pública/mídia: em toda e qualquer tentativa de golpe, o que faz com que ela seja ou não bem-sucedida é a resposta popular ao ataque. Em 1964, a resposta popular foi o apoio e passamos a viver numa ditadura. Nos anos 2000, a reposta do povo venezuelano à tentativa de golpe em Chávez foi a de rechaço, e a democracia foi restabelecida.

O ponto é que depende de nós. Depende de estarmos nas ruas apoiando as bandeiras certas (e há pessoas se mobilizando para divulgar em tempo real, de maneira eficaz, onde está o ato contra o aumento da passagem, porque já não podemos dizer que é apenas “um” movimento, como fez Haddad em sua entrevista coletiva). Depende de nos recusarmos a comprar toda e qualquer informação. Depende de levantarmos e irmos ver com nossos próprios olhos o que está acontecendo.

Se essa sequencia de fatos faz sentido pra você, por favor leia e repasse o papel. Faça uma cópia. Guarde. Compartilhe. Só peço o cuidado de compartilharem sempre integralmente. Qualquer pessoa mal-intencionada pode usar coisas que eu disse para outros fins. Não quero isso.

Quero apenas que vocês sigam minha linha de raciocínio e me digam: estamos mesmo diante da possibilidade iminente de um golpe?

Estou louca?

Espero sinceramente que sim. Mas acho que não.

Mas não consegui fazer a leitura que todos fizeram.

Via Dora Moreira

Por Yan Boechat

Na quinta-feira eu cheguei em casa um pouco depois das 10:30 da noite. Cheguei excitado com o que havia acontecido nas cinco horas anteriores em São Paulo e certo de que a série de protestos iniciado na semana anterior atingira um novo estágio. Pela primeira vez eu vi, naquela noite, as pessoas enfrentando a polícia com paus, pedras e garrafas e se recusando simplesmente a aceitar as imposições das forças de repressão. Não estou me referindo a pequenas barricadas feitas de lixo ou mesmo a estratégia de dispersão e reagrupamento. Estou falando de embate, de ter coragem para chegar lá perto do choque com pedras e garrafas para mostrar que as bombas e as balas de borracha não eram o bastante para intimidá-los.

Mas não consegui fazer a leitura que todos fizeram. Eu sinceramente não cheguei em casa com a sensação de que a Polícia Militar havia passado dos limites, que estava sem controle ou mesmo agindo de uma forma diferente do que se esperava dela. Nos últimos dois dias fiquei aqui questionando minha capacidade como jornalista. Será que a notícia passou diante de mim encilhada em um cavalo branco e eu simplesmente não a vi? Será que estive nos lugares errados? Será que não rodei pela cidade como eu deveria ter rodado? Será, afinal de contas, que eu havia perdido a sensibilidade de perceber o que estava ocorrendo diante de mim?

Tenho feito essas perguntas desde sexta-feira, quando a biruta ideológica que dita os rumos das coberturas jornalísticas na grande imprensa virou abruptamente. Comecei a relembrar os momentos daquelas cinco horas para tentar entender onde eu havia errado. Eu estava exatamente onde tudo começou, como quase todos os jornalistas que acompanhavam a manifestação. Presenciei, a menos de cinco metros, os policiais do Choque atirarem balas de borracha e bombas a esmo na esquina da Consolação com a Maria Antônia. Exatamente ali, eu e um grupo de, não sei, talvez 10 fotógrafos, fomos alvo desses mesmos policias. Atiraram contra nós, jogaram bombas de efeito moral e bombas de gás, uma delas, inclusive, atingiu minha perna. Há um vídeo circulando no Facebook mostrando esse momento.

Quando atravessei a rua e fiquei atrás de um ônibus fotografando, voltaram a mirar em nós, fotógrafos. Ao meu lado, um colega, que agora soube ser da Folha, foi atingido na virilha por uma bala de borracha. Na Augusta, vi os policiais atirarem a esmo nas pessoas. Vi uma senhora que tomou um tiro no pescoço ao sair da igreja. Ali também, ao lado de um das viaturas, ouvi pelo rádio um outro policial explicando que estavam encurralando os manifestantes na Avenida Angélica e que eles agora iam “se foder”.

Lá na Angélica, com o trânsito em direção à Paulista parado, vi os policiais criarem uma chuva de bombas de gás, que caiu sobre as pessoas que estavam em seus carros e nas centenas de manifestantes que desciam a avenida. Lá, também, vi um soldado mirar em um grupo de umas cinco garotas que pareciam ter desistido do protesto e atirar, de perto. Na Rua Sergipe um morador de quase uns cinquenta anos, talvez, pedia calma aos policiais, pedia que parassem com as bombas porque havia muitas pessoas idosas ali. Um dos soldados lhe apontou a escopeta e disse: “Vai dormir antes que sobre pra você”.

Ainda assim, depois de assistir a tudo isso, não cheguei em casa com a sensação de que a Polícia Militar havia exagerado. Hoje, 48 horas depois de um intenso bombardeio de informações, relatos, opiniões e imagens, cheguei a uma conclusão estranha. Acho que não vi notícia passar encilhada porque é assim que conheço a polícia, desde a minha infância, e é isso que sempre esperei e espero dela. Nunca poderia imaginar situação diferente do que houve na quinta-feira.

Sou do subúrbio do Rio de Janeiro, mais especificamente de Nova Iguaçu, baixada fluminense. Passei parte da minha infância e adolescência lá. Morei também em Duque de Caxias, também baixada Fluminense, e os bairros da Zona Norte Carioca forjaram o jovem que fui. Até hoje conheço pouco o Rio que todo mundo conhece. O da Zona Sul. Lá no subúrbio sempre foi assim. Quer dizer, nunca tive uma escopeta armada com balas de borracha apontada pra minha cara. Mas já tive, algumas vezes, revólveres, pistolas e também escopetas apontados pra mim. Todos eles carregados com munição letal. Em todas as vezes que fui abordado pela polícia, seja no centro do Rio após sair de um show na Lapa, seja voltando pra casa com alguns amigos, nunca houve cordialidade. Nunca houve tratamento digno.

Lá em Nova Iguaçu, onde meu pai mora até hoje, nunca vi muita polícia, na verdade. Os policiais que moram no bairro sempre se encarregaram de fazer a Justiça por ali. Agora mesmo, em 2013, um deles, que foi meu amigo de infância, que jogou bola comigo, é um dos matadores oficiais de lá. Ali ele é o Estado. Investiga, julga e executa. Ali, diferente daqui, tem pena de morte. E todo mundo acha normal. Dia desses, visitando meu pai, ele me contava que havia poucas semanas esse meu amigo havia feito uma “limpa” no bairro, eliminando os pequenos assaltantes que não compreendem que roubar em bairro de pobre é algo que ultrapassa qualquer limite moral até para os amorais. “É a barbárie”, dizia meu pai. “Mas é a única maneira de as coisas se manterem tranquilas”.

Eu não sou um conhecedor da periferia de São Paulo. Fui poucas vezes nas “quebradas” e tenho poucos amigos lá. Desde que me mudei pra cá, há quase 15 anos, cruzei a fronteira que divide “nós” e “eles”. Sou classe média alta, burguesa e até fiquei mais branco. No último senso, o entrevistador não queria aceitar que eu me declarasse pardo, apesar da cor da minha pele mostrar a mestiçagem de índio, negro e europeu da qual sou feito. Não fui mais parado pela polícia e a truculência das forças de segurança só senti nas vezes que fui aos estádios ver o meu glorioso Flamengo ou alguns clássicos paulistas.

Mas, mesmo do lado de “cá”, polícia sempre foi sinônimo disso: de injustiça, de agressão, de repressão, principalmente contra quem está do lado de “lá”. Lá, na periferia, como chamam aqui, ou no subúrbio, como chamamos no Rio, não há bomba de gás lacrimogêneo nem de efeito moral. As balas matam. Só no ano passado 323 pessoas morreram oficialmente em confrontos com a Polícia aqui em São Paulo. No mês de outubro, no auge da guerra entre a PM e o PCC, mais de 170 pessoas foram assassinadas na região metropolitana, boa parte delas por “grupos de extermínio”. Não precisa ir longe. Basta assistir ao programa Polícia 24 Horas, exibido pela TV Bandeirantes, para ter uma idéia de como é a relação dos que vivem do lado de “lá” com a polícia.

Só no ano passado, centenas de famílias perderam pais, irmãos, filhos, gente querida, que para nós, do lado de “cá”, são só números, mas que do lado de lá são muito importantes. Há quem afirme que só conseguimos sentir compaixão por aqueles que nos são semelhantes. Isso explicaria porque os alemães massacraram com tanta crueldade os judeus, porque a comunidade internacional permitiu o genocídio de Ruanda ou porque os europeus escravizaram os negros e os tratavam como animais. Explica também, eu acho, a comoção que sentimos ao ver jovens encurralados tomando tiros de borracha e não conseguimos expressar tamanha revolta ao saber que centenas de jovens foram mortos nas periferias sem terem feito nada, absolutamente nada, para serem sumariamente executados.

Não sei, talvez eu esteja buscando explicações por eu não ter conseguido ver o que todos viram. Pode ser. E não estou, de maneira alguma, querendo dizer que as pessoas que foram agredidas pela polícia merecem menos solidariedade, respeito e civilidade. Mas eu espero genuinamente que os do lado de “lá” se unam aos do lado de “cá” na segunda-feira com a demanda para que nós tentemos, ao menos, nos enxergar como iguais e, se isso não for possível, que ao menos o Estado o faça. Por bem ou por mal.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=636061849755329&set=a.143466532348199.22136.100000545587536&type=1&theater

Provocações

Via Juno

Isso é sim sobre 20 centavos: conservadorismo nos movimentos sociais

Por Juno

Existe uma estrutura construída socialmente ao longo da história. Essa estrutura permeia e media todas as nossas relações, em todos os âmbitos, desde nossas relações pessoais com nossa criança que ainda nem nasceu, até as impressões internacionais das pessoas de outras nações que nunca conheceremos na vida. Esta estrutura se constrói na história através do poder, porque ela é uma estrutura que se estabelece através da retenção. Estamos falando do Estabelecimento — um conceito utilizado principalmente por anarquistas para grifar os caracteres intersecionais de nossos esforços contra o Capital, o Estado, e qualquer outra forma de opressão.

Quando nos organizamos no feminismo contra o patriarcado, por exemplo, podemos incorrer no erro de fazê-lo esquecendo-se e invisibilizando a realidade de muitas mulheres, nomeadamente como apontaram correntes como o feminismo negro e o transfeminismo. Isso significa que estamos reproduzindo uma forma de poder para chegar ao desmantelamento de outra. O que significa que caso vençamos, teremos subjugado a outra classe. Suponha que o feminismo tenha grandes vitórias deste ano para daqui a dez anos. Se ele tiver ignorado as realidades de mulheres negras proletárias, é bem possível que gigantesca parte de suas conquistas não atendam as suas realidades e, portanto, tenha resultado em conseguir direitos que estabelecem a mulher branca e burguesa acima da mulher negra e proletária. Por mais que vários dos direitos conquistados possam servir também a mulher negra e proletária, a ausência de consideração do outro lado faz com que o tempo de luta resulte em deixar mais abaixo estas mulheres, porque os direitos avançaram as deixando para trás.

“Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer ‘não’, você acredita que seria obedecido?” — Michel Foucault
Isto acontece porque o poder se articula de forma a beneficiar e a reprimir. Por mais que estejamos lutando para que o preço da passagem abaixe, as realidades de quem realmente precisa que a passagem caia faz invisível o fato de que isto é sim sobre vinte centavos. É justamente a perspectiva não-intersecional, que ignora a realidade da população periférica e proletária, que nos faz acreditar que isto é mais sobre corrupção do que sobre vinte centavos. Porque a gigantesca maioria de quem está ali realmente não irá precisar entrar em pânico porque vinte centavos aumentaram, então imediatamente ser somente sobre vinte centavos torna-se um problema. A ampliação das preocupações, para além do preço da tarifa, parece ser um grande avanço e uma melhora. Esta é uma falsa ilusão gerada pelos privilégios que se impregnam nos movimentos sociais, porque quando você troca vinte centavos por “corrupção” você não está ampliando o alcance, você está reduzindo. Você está tirando de uma questão objetivamente monetária, que atinge objetivamente quem não possui tanto dinheiro quanto você para uma questão patética como a “corrupção”, pela qual ninguém é a favor, e que é característica indissociável da democracia representativa capitalista.

Vamos falar sobre cooptação

Quando existe aderência massificada da população, e esta população não se politizou ainda, ela infla o protesto com discursos ideológicos. Ela enche o protesto de muito pacifismo, muitas reivindicações vazias (contra a corrupção! pela educação!), de bandeiras de Brasil beirando o nacionalismo de cantarmos o hino nacional, e, principalmente, de discursos opressivos, que se já entre as pessoas “politizadas” são sempre prevalentes, entre pessoas que não se politizaram são ainda mais. O machismo, o racismo, o heterossexismo e o discurso higienista burguês são alguns problemas que cada vez mais aparecem relatos de estarem surgindo nestas manifestações recentes, inclusive nos cartazes que estamos segurando e nos gritos que estamos bradando.



Não se trata de elitizar o movimento e abandonar tudo, saindo fora porque “virou manifestação de direita”. O conservadorismo está aqui e estará de novo da próxima vez que houver grande aderência ao protesto. Se trata de discutir isto com as massas de forma a empoderar quem está ficando no esquecimento. Se trata de unir-se e organizar-se de forma a reagir dentro da própria luta. Se trata de abrir-se a pessoas aliadas que possam ajudar a articular discursos de resistência dentro da própria luta. Será completamente inútil abandonar o fronte. É preciso ser o contra-protesto. É preciso ser quem irá tentar radicalizar lá dentro, seja no discurso — questionando os discursos opressivos e reacionários que surgem –, seja na materialidade das ações radicais, seja na contestação firme de quem está tentando apaziguar as massas, seja no suporte imediato e vocal à vítima quando alguém estiver praticando discriminação ao seu lado. Não se cale. Ao invés de abandonarmos o movimento, é preciso organizar ao redor da postura anticapitalista, principalmente enquanto protagonizado pela classe trabalhadora, e ocupar este espaço. Similarmente, diante de atitudes machistas, ao invés de abandonar o movimento, de acordo com a disposição de cada pessoa, é preciso organizar-se conjuntamente, principalmente enquanto protagonizada por mulheres, e ocupar o espaço e afirmar-se enquanto pessoa que não aprova. É preciso construir a luta na própria luta. Nossa militância não pode ser um esforço de persuasão, mas sim uma tática de resistência por insurreição. Recebo ao meu lado pessoas aliadas porque sei que é interessante para questionarmos a opressão ao vivo e a cores, mas estas pessoas precisam entender a cultura de protagonismo e de responsabilidade que estão envolvidas ao colocarem-se como uma pessoa aliada destes combates.

Será por acaso que Arnaldo Jabor e Rafinha Bastos agora estão do nosso lado?

Se você tem essa disponibilidade, esteja lá. Tente organizar-se junto com pessoas comprometidas a questionar estas posturas conservadoras, principalmente as posturas opressoras, burguesas e pacifistas. Tem gente interessada? Traga pra junto. Forje na luta o questionamento. Levar o transfeminismo ao olho do furacão. Levar o antirracismo enquanto questionamento. Questionar como quem resiste, não como quem convence. Precisamos superar através de união intersecional e empatia de fato, porque o reacionarismo precisa ser contestado para que de marcha em marcha, por mais diversos que sejam seus tópicos, estas contestações saltem. Assim como o mesmo espírito nacionalista e pequeno-burguês estava nas marchas contra a corrupção, o mesmo espírito libertário precisa permear cada protesto e questionar a opressão em todos eles. Criar uma cultura libertária é uma urgência, principalmente diante da cooptação que o Estabelecimento faz de qualquer movimento que surge, justamente porque são as relações de privilégio que mediam as interações sociais. A cooptação é muito mais simples quando feita articulando a Ideologia. Quando você fala sobre partidos “cooptando” a luta, alguém ri dentro do seu túmulo. Neste caso específico, partidos de esquerda não estão cooptando nada porque estão articulando uma teoria crítica ao que a maioria das pessoas que ali estão discordam. Cooptar a luta é o que faz o conservadorismo, e faz muito bem, porque ele é o padrão. Antes de pensarmos sobre as coisas, 100% de nós concorda com o que o conservadorismo tem a dizer. Ele é a base sobre a qual se assenta nosso discurso. A sua mera presença é cooptação. Por isso é tão urgente questioná-lo — em nós, e em todas as pessoas.

Pasmem: A corrupção não é o problema

Protestar contra a corrupção é como protestar contra a fome. Seu alvo está errado, seu resultado será nulo. E se for algum, não será pra quem precisa. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque nenhum pilar estará ameaçado por boas escolas e políticos que não se corrompem. Os políticos continuarão a legislar pelo Capital, porque também é assim nas veneradas democracias europeias supostamente “não corruptas”. A educação continuará a formar cidadãos para o Capital, para atender os interesses e as demandas do mercado. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção porque se a contestação está no alvo errado, e contesta algo que fundamentalmente não representa mudança, então não sairá pedra de cima de pedra. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque ele pode atender 100% dessas reivindicações sem se abalar nem um pouco. Ele pode dar ótimas escolas e reduzir muito os níveis de corrupção, e continuar a ser uma plutocracia capitalista. Fazer reformas políticas contra a corrupção é meramente comprar o velho chavão de um Arnaldo Jabor indignado porque o PT roubou, e se esquecer que existe uma estrutura gigantesca, da qual o PT sequer é o maior beneficiário. O Estabelecimento também inflama as massas a se organizarem contra algo: contra algo completamente irrelevante.

Ninguém discorda da corrupção ser um problema. Ou de que a educação precisa melhorar. O que isso significa? Significa adesão em massa, onde nenhum privilégio precisa ser questionado. Protestos contra causas que são consenso não precisam colocar opressões em xeque. Que pautas e demandas surgem de um movimento conservador? Estas. E estas somente. Visivelmente, qualquer pauta que nomeie opressões, é imediatamente uma pauta egoísta: os transativismos são egoísmo, porque você está se preocupando somente com você e com as outras pessoas trans*. Deveria preocupar-se com algo que atinge todo mundo, como a corrupção. Um movimento conservador é completamente contra qualquer bandeira de qualquer partido, mas não propõe nenhuma forma de organização política no seu lugar. O anarquismo possui críticas para fazer a estas vanguardas, mas entre bandeiras de partidos e o completo vazio apolítico feito de esperança e algodão doce que aqui está disposto, vale mais ficar com as bandeiras vermelhas.

Um movimento nos moldes do inimigo

O Estabelecimento quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque esse é um movimento que não conhece seu lugar na história, e as lutas que o colocam ali. Ele quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque movimentos sem perspectiva histórica repetem os mesmos erros, e repetem os mesmos discursos, de quem dentro dos outros movimentos os fez institucionalizar e estabilizar junto ao poder. Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que as feministas estavam lutando, e portanto ignorar o que elas tinham a dizer, e fazer sua pichação misógina. Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que o movimento sindical está fazendo greves há tempos, e você estava reclamando. Quando a sua geração acordou, não significa que o Brasil acordou. Muitas lutas estão aqui, ao nosso lado, e se não acordamos para elas, nós somos justamente contra quem elas estavam acordadas. O Brasil não acorda, junto, homogeneamente, quando acorda em massa para algo específico. Se isto é acordar, então nunca dormimos. As opressões são diversas, e é preciso acordar para todas elas.

O Estabelecimento quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a PM porque o poder não quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a população periférica, proletária e negra. Porque quem quer dar flores à polícia se esqueceu que, há pouco — muito pouco — tempo atrás, quando estávamos enfurecidamente contra o que aconteceu na Aldeia Maracanã, quem estava lá era a PM. Porque quando nos enfurecemos com o que aconteceu em Pinheirinho, quem estava lá era a PM. É muito simples particularizar o que a PM faz aqui ou ali quando o que a PM faz de fato não está debaixo da sombra de nenhum iPhone ou nenhuma Nikon. Lá, nas periferias, onde a violência policial é mais brutal, e completamente ignorada, a PM está praticando seu fascismo diário contra os “bandidos” que um protesto conservador odeiam. Se o trabalho da polícia é atender os interesses do Capital, isto é, defender a exploração da classe trabalhadora, como poderia a polícia ser a classe trabalhadora? Quem considera a polícia com bons olhos é quem está à margem de suas violências. Eis aqui uma margem para você: ter empatia por estas realidades, e parar de aplaudir estas violências.


“Polícia é pra bandido, pra estudante não!”, cantava a multidão, ontem, ao meu lado. “Eu entrei na PM pra prender bandido”, dizia no vídeo o policial, às lágrimas, aplaudido por quem chorava, emocionadamente, junto.

Ir às ruas por ir às ruas, não é acordar. Uma multidão de milhões pode estar nas ruas, isso ainda não será acordar. Existe uma ideia perene de que é preciso ir às ruas só por ir às ruas, e ela convence muita gente. E elas vão. Mas porque estes espaços não são espaços de contestação, porque estes espaços não são espaços organizados ao redor de algum assunto pontual, de fato nada é discutido. Esta é a cooptação que acontece por parte do conservadorismo. Quando o Movimento Passe Livre propõe um debate extremamente pontual sobre a tarifa zero, e demanda barrar o aumento, uma classe média injuriada salta às ruas e manda na lata: “não é só sobre vinte centavos”, porque para ela, vinte centavos é muito pouco.

Mas isto é sim sobre vinte centavos.

Ir às ruas por ir às ruas não é acordar. Independente do número de pessoas. É preciso ocuparmos estes espaços, reagirmos dentro deles, levarmos discussões pontuais — como era a proposta do MPL — e resistir aos desvios que acontecem porque o Estabelecimento prioriza quem não precisa daquelas demandas. Há de se discernir pessoas aliadas de pessoas que não se importam. Marchar pode ser romântico, mas não é radical. Um milhão de pessoas sem nada a dizer, sem privilégios a questionar, sem questionamentos a fazer, sem patrimônios a quebrar, sem tópicos a discutir, não é uma multidão acordada. É, no máximo, um gigantesco episódio de sonambulismo político.

http://incandescencia.org/2013/06/18/isso-e-sim-sobre-20-centavos-conservadorismo-nos-movimentos-sociais/

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pedro Caetano e o contexto

Por Marcus Vinicius

Pedro Caetano - grande compositor - tem um samba que diz: "Mangueira/ onde é que estão os tamborins / oh! nega / viver somente de cartaz não chega / ponha as pastoras na avenida" O samba referia-se a Mangueira que andava em baixa.

Há tempos, as nossas "escolas ditas avançadas" esqueceram seus projetos políticos e foram correndo atrás de ética na política, combate à corrupção, votos a todo custo, outros caíram no moralismo udenista moderno, mas que também rende votos.

Taí. Deu no que deu...

Ontem uma mísera bandeira do PCR, que se fazia presente na manifestação de São Pauilo, foi rasgada pelos jovens participantes da manifestação que não queriam e nem permitiram bandeiras de partido. Em seguida o militante foi expulso da manifestação pela turba. Antes de ontem umas poucas bandeiras do PSTU foram impedidas de serem desfraldadas. E aí???

Hoje teremos manifestação, e imagino que nenhuma bandeira de partido estará por lá, mesmo daqueles partidos que afirmam que nunca saíram das ruas.

Serão militantes descamisados e "desbandeirados" junto a juventude que protesta. Se aplica aqui a tese n1efasta da governabilidade, onde a que primeiro vai pras cucuias são os princípios.
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Sobre bandeiras e estratégias

Por Juliana Castanha

No espelho d’água da Esplanada dos Ministérios, um manifestante lavava a bandeira do Brasil, esfregando como se o tecido estivesse encardido. Foi ontem (segunda 17/06) a noite, durante os protestos em Brasília. A imagem seria uma autêntica representação da democracia, da expressão popular. Não fosse por um detalhe.

No momento em que todos os holofotes estão voltados para o Brasil, por conta da Copa das Confederações, seria normal levantar suspeitas sobre as motivações partidárias do movimento. Mas não se trata disso. Em várias capitais, militantes que circulavam nesta segunda-feira com bandeiras de partidos políticos foram vaiados pela maioria. Os manifestantes de fato se apresentam como um grupo sem siglas.

Não se trata, também, de discutir a ação truculenta da polícia de São Paulo. Um claro desrespeito ao direito de expressão e à liberdade de imprensa. A reação da PM só fez engrossar o coro das manifestações, inclusive fora da capital paulista e do país. A questão central é: até que ponto um movimento de tais proporções sem objetivos claros tem legitimidade?

No início, foi o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo que levou as pessoas às ruas. Manifestantes fizeram barricadas, interditaram a Avenida Paulista. A cena se repetiu em outras capitais como Salvador, onde o "Movimento do Passe Livre” existe há dez anos. Porém, cinco dias depois, ninguém mais sabe explicar as reais motivações dos protestos. Ao que parece, a coisa se perdeu, fugiu do controle.

Alguns mostram indignação sobre o aumento do custo de vida. Outros reclamam dos recursos investidos para a Copa. Em Belém, a população cobra melhorias para o transporte público. Em Minas Gerais, um dos líderes do movimento protestava contra “a proibição das manifestações” e defendia “a ampliação do metrô” (em reportagem exibida hoje no Bom Dia Brasil).

É no mínimo contraditório ver ônibus incendiados em manifestações em favor do transporte de qualidade para a população. Ver ambulâncias do SAMU depredadas por quem cobra assistência à saúde. Ver no Rio de Janeiro o Paço Imperial, prédio histórico do século XVIII, ser destruído por supostos defensores do bem público.
Juliana Castanha

Nas redes sociais, os comentários se multiplicam. A classe média se viu representada e propaga a ideia de que “o país acordou”. Como se, finalmente, despertasse de um coma profundo, de um longo período de letargia. Já associam a imagem da presidente Dilma ao ex-presidente Fernando Collor de Melo, sugerindo o impeachment como o desfecho comum aos dois.

Um deles dizia: “Lula, seu cínico, a classe média cansou de tomar no lombo”. Comentários que nada têm a ver com o aumento da passagem de ônibus, muito menos com os investimentos na Copa. São expressão de uma classe média raivosa que nunca admitiu um governo de esquerda. Muito menos um governo de esquerda capaz de enfrentar a crise econômica que há cinco anos abala Estados Unidos e Europa.Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha ainda sofrem os efeitos do endividamento e das medidas de austeridade fiscal.

É natural que o aumento da inflação, no Brasil, seja motivo de preocupação. É legítimo a população cobrar reação do poder público em todas as esferas. Sem a voz das ruas, não existe democracia. Mas é preciso refletir sobre as reais motivações e consequências dos protestos dos últimos dias, no país.

Tomara que os manifestantes tenham discernimento sobre suas bandeiras e estratégias. Tomara muito que o recado para os governantes seja claro. E que, de alguma forma, o grito das ruas traga resultados para a população.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Ver multiplicado amanhã, parar pra MOVIMENTAR.

Por Monique Linhares
Monique Linhares


Saí sozinha do trabalho pra pegar de carona a movimentação da rua, pra, a avenida da Universidade. Amigos me retornaram dizendo que passavam por lá com o grupo de manifestantes que só aumentava. Corri pra aumentar o coro, que se ouvia da avenida Carapinima, miolo do Benfica.

Estudantes, professores, trabalhadores saídos dos expedientes se juntavam, enquanto outros só olhavam, convidados os gritos de ordem pra virem pras ruas. Essa chamada que me pegou de assalto e me inflamou o peito pra sair correndo pra rua fazer parte do movimento, há alguns dias sendo alimentado pelas redes sociais e pela solidariedade aos levantes de São Paulo e Rio contra o aumento das passagens de transporte púbico e a revolta que gerou por conta do tratamento abusivo dos governantes, polícia e mídia com os manifestantes.

Caminhei sozinha, cantando comigo, a avenida da Universidade até encontrar a multidão, sentindo que estava participando da História. Me senti caminhando pra frente, contra o vento. Senti que o momento não iria se esvair nos memes da internet, mas que vai pros livros, pro que pretendemos mudar, pro que vamos contar e exemplificar pras futuras juventudes.

Senti o impulso de quando algo é mais forte do que a boca e os dentes cerrados, as pernas sentadas diante do computador do trabalho, os olhos dilatados de tanto acompanhar notícias reais ou manipuladas em portais, na TV, nas redes sociais. É quando se sente que a hora é agora e de acompanhar quem soube fazer a hora e não esperou acontecer e que há muito vem gritando em movimentos por causas diversas. Pois é, papocou!

Ver as ruas tomadas, carros parados, buzinando, gente apoiando, gente revoltada nos engarrafamentos, é ver e viver o que é se lançar pela mudança, que começa na cabeça e chega nas ruas pra atrapalhar, incomodar, mobilizar e quem sabe, transformar as lutas em política pública, do povo para o povo.
É o que quero ver multiplicado amanhã, parar pra MOVIMENTAR.

Gente Aberta

via Dora Moreira

pro Alan Morais - do imenso Erasmo Carlos

Carta Aberta aos reaças: "Mas se não abrir comigo, não vou"

Mantenho firme a esperança e assino embaixo no texto de Dora.
Dora Moreira

por Dora Moreira

Não, não tem só um lado, não é uma insatisfação só e a gente não vai fazer protesto sem baderna e nem vai assinar impeachment da presidenta pra vocês colocarem a extrema direita na presidência. 
Globo, a gente não tá lutando "contra corrupção, superfaturamento e outros problemas do Brasil", e Jabor, você não tem desculpas a pedir, a gente discorda.
0,20 centavos exclui mais uma parcela da população do transporte público e a tarifa tem que baixar sim.

Ah, Paulo Vilhena, o que aconteceu na Paulista acontece na favela todo dia, não foi inédito e vocês tavam todos de olhos fechados até a truculência da PM bater na porta (ou na repórter) de vocês. E agora, a gente vai lutar pela desmilitarização da PM ou vai fazer foto de olho roxo até a poeira baixar?

Eu tô no mundo por um transporte público de qualidade, pela distribuição de renda, pelo direito à moradia, pela desmilitarização da polícia. Eu tô na rua porque se a gente quer mudança, tem que sair da zona de conforto, tem que olhar no olho e não ter medo. Mentira. Eu tô na rua faz é tempo porque eu gosto. De rua, de gente, de carnaval, de manifestação. E não me apavoro, porque eu teria pavor de ter medo da minha cidade. Tô na rua com um monte de gente. Anarquistas, psolistas, petistas, hippies. Uma galera.

Ninguém tava até anteontem trancado no sofá fingindo que não era com a gente e só quem dormia tranquilo aqui era vocês. A gente tem muito o que melhorar e essa provavelmente não é a revolução, mas vocês não vão, de novo, fazer a revolução antes que o povo a faça.

Se quiser mudar e vir pra rua, vem, vai ser massa. Mas vem viver a rua, não vem esvaziando nem despolitizando o que já tá confuso. Se for amanhã, não é pra falar de medo e pavor. E se vier com história de redução da maioridade penal vai levar chulipa.

"Não se apaixonem por vocês mesmos".

Por Mateus Perdigão
Mateus Perdigão


A frase é do filósofo Slavoj Žižek, em Wall Street, durante o Occupy Wall Street. Ele falava que o que importava era pensar nos dias seguintes - os dias normais, cotidianos - aos protestos que aconteciam em Nova Iorque. E alertava: “carnavais vêm baratos”.

Me chama a atenção a quantidade de pessoas declaradamente conservadoras e de direita que me convida para “ir pra rua” porque “o gigante acordou”. Pessoas que, até pouco tempo, tinham medo de ir pra rua mesmo pra curtir o (pré-)carnaval de Fortaleza.

Intriga-me a quantidade de celebridades que, de uma hora pra outra, chama a população pra rua. Deixa-me encucado a quantidade editoriais de jornais, revistas e TV que deram a “marcha à ré” mudando o caminho para o qual antes seguiam. Incomoda-me essa história de dizer que o movimento é apolítico.

Os meios de comunicação conservadores não entrarão em confronto direto com um movimento que cresce a cada dia, eles vão tentar redirecioná-lo para os seus objetivos – acabar com a corrupção no Brasil, talvez? Basta ver a quantidade de editorias que mudaram o teor dos textos e o bizarro vídeo do Datena tentando induzir uma “pesquisa” de TV ao vivo: “eu acho que o protesto tem que ser pacífico, não pode ter depredação, não pode impedir via púbica (…) eu não sou a favor desse tipo de protesto”, bradou.

E aí eu volto ao Žižek: “o problema não é a corrupção ou a ganância. O problema é o sistema. Ele o força a ser corrupto. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas com os falsos amigos que já trabalham para diluir o processo. Da mesma forma que você pode ter café descafeinado, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isso é um inofensivo protesto moral”.

Agora eu volto ao título: é bonito de se ver aquela quantidade de pessoas na rua, é instigante ver que o movimento cresce em várias cidades do país. Mas há necessidade de se pensar nos dias seguintes. Há necessidade de mostrar o rosto e dizer a que veio. Há necessidade de se apropriar do futuro. Há necessidade de acabar com o capitalismo. Há necessidade de se mostrar para os conservadores, reacionários e fascistas de plantão que o movimento é, sim, político e que não se deve ter medo ou vergonha disso. Há necessidade porque eu não quero estar, em uma manifestação, lado a lado de direitistas, conservadores e reacionários, gritando as mesmas palavras de ordem, em um grande protesto vazio, sem saber o porquê. Eu não quero confundir o Movimento Passe Livre com o Fortaleza Apavorada.

O estudante Paulo Motoryn define o que, para mim, parece ser o teor do movimento que nasce no texto intitulado “O que queremos”: “Sob hipótese nenhuma podemos nos alinhar aos Datenas, Jabores e Pondés. O que queremos é derrubar as barreiras entre ricos e pobres, quebrar os muros entre centro e periferia, consolidar o povo como um ator político de importância ímpar e lutar por um Brasil com justiça social, sem desigualdade e com oportunidades iguais para todos e todas. Nada mais. E nada menos.” Concordo com o Žižek quando ele diz “O único sentido em que somos comunistas é que lutamos pelos comuns (...) Por isso, e somente isso, devemos lutar”.

Como disseram uma vez Gil e Caetano: “É preciso estar atento e forte”.

P.S.: O Movimento Passe Livre disse, na TV Cultura, a que veio: a curto prazo, quer revogar o aumento da passagem de ônibus. A longo prazo, quer transporte gratuito e de qualidade pra todo mundo. Uma proposta inovadora, audaciosa e aplicável - por que não? Como eles mesmos diziam, é decisão política.

* Texto do Žižek disponível em inglês: http://takethesquare.net/2011/10/11/zizek-at-wall-street-“don’t-fall-in-love-with-yourself”-occupywallstreet-ows/

* Texto do Paulo Motoryn disponível em: http://revistavaidape.wordpress.com/2013/06/17/o-que-queremos/

* Vídeo do Datena: https://www.youtube.com/watch?v=7cxOK7SOI2k

segunda-feira, 17 de junho de 2013

‘Não podemos nos alinhar aos Datenas, Jabores e Pondés’

por Paulo Nogueira

Um militante do MPL alerta para a tentativa da direita de ‘adotar o movimento’ com interesses escusos.



Protestos em São Paulo

Desde o ato da última quinta-feira contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, em que a violência e a repressão policial viraram notícia em todo o planeta, mais uma ameaça ronda o sucesso das manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre: a instrumentalização do povo.

A evidente mudança de postura da imprensa em relação aos protestos deve ser motivo de desconfiança, não de festa. Isso porque nos últimos dias imperou o comentário: “Agora até a grande mídia defende as manifestações”. Como se isso fosse algo positivo.

Por um lado, a máxima “não é só pelos 20 centavos” conseguiu convencer diversos setores da população a ir às ruas. Por outro, abriu uma questão polêmica: se o aumento da passagem foi só o estopim, o que mais nos incomoda? Quais são os reais motivos do fim da letargia política em São Paulo?

É fato, o reajuste do preço transporte só provocou a revolta necessária para que o paulistano percebesse o óbvio: política se faz nas ruas. No entanto, a recusa ao modelo de sociedade atual tem de ser deixada clara. Isso porque os perigos da apropriação do movimento são reais.

Na sua última edição, Veja contrariou sua linha editorial e se posicionou a favor das manifestações. Quando um veículo que representa o que há de mais reacionário na sociedade apoia movimentos sociais, há no mínimo um ponto de extrema relevância para refletir.

Mas as páginas de Veja só revelam a nova postura dos veículos da imprensa dominante: já que não podem mais controlar ou evitar a multidão, manipulam seus objetivos. De acordo com a revista, o descontentamento dos manifestantes se deve também à corrupção, à criminalidade… Falácia.

É evidente que essas questões também são importantes, mas os jovens que estão nas ruas estão preocupados com questões muito mais profundas. A juventude está mostrando que não quer compartilhar dos valores individualistas, consumistas e utilitaristas da geração de seus pais.

O grito dos jovens está longe de bradar contra os “mensaleiros”, contra a inflação, contra as políticas sociais de transferência de renda. O movimento é progressista por natureza e agora tem de saber lidar com uma ameaça feroz: a direitização.

O aparelho midiático que serve a esses interesses já foi acionado. A grande imprensa já está mobilizada para maquiar o movimento de acordo com um ideário conservador, por isso o povo precisa fazer seu recado ser entendido.

Sob hipótese nenhuma podemos nos alinhar aos Datenas, Jabores e Pondés.

O que queremos é derrubar as barreiras entre ricos e pobres, quebrar os muros entre centro e periferia, consolidar o povo como um ator político de importância ímpar e lutar por um Brasil com justiça social, sem desigualdade e com oportunidades iguais para todos e todas. Nada mais. E nada menos.

Vamos à luta!

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/nao-podemos-nos-alinhar-aos-datenas-jabores-e-pondes/

sexta-feira, 14 de junho de 2013

CARTA ABERTA AO PREFEITO FERNANDO HADDAD

Do Existe Amor em SP

CARTA ABERTA AO PREFEITO FERNANDO HADDAD

Sr. Prefeito
Uma parte de nós vêm, nos últimos dias, participando de manifestações de rua contra o aumento das passagens dos transportes urbanos. Mas a ampla adesão ao movimento mostra que não se trata apenas de 20 centavos. Não importa a nós, nem a um número crescente de cidadãos, se tal aumento foi abaixo da inflação. Estamos manifestando uma profunda insatisfação com esses serviços urbanos. Mas não apenas. É também a canalização de uma sensação represada de inconformismo, cada vez menos difuso, com os rumos políticos do país.

Não somos partidários do uso de métodos violentos. Nem nós, nem quase a totalidade dos manifestantes, eleitores ou opositores seus. Mas as atitudes da polícia militar, ontem, mostraram sem a menor sombra de dúvida que quem acredita na violência não é o MPL. É o Estado que demonstrou enxergar na agressão, na força bruta as únicas ferramentas de persuasão.

Em questão de minutos, sr. Prefeito, inúmeros relatos e imagens provam nosso ponto. Assista aos vídeos. Leia os depoimentos. Converse com paulistanos. A manifestação ocorreria em relativa tranquilidade, sem qualquer episódio de violência, baderna ou vandalismo, se a polícia não tomasse a iniciativa de abrir as hostilidades. Ferindo inclusive passantes, membros da imprensa com premeditação criminosa. Depredando o próprio equipamento policial para culpar os manifestantes. Está tudo documentado: a brutalidade seguiu por horas, com cidadãos inocentes sendo caçados como presas.

O governador Geraldo Alckmin já havia dito claramente que mandaria endurecer a repressão. Foi endossado, cobrado amplamente por editoriais nos dois grandes jornais da cidade. Eis nosso ponto, Haddad. De Alckmin, da Folha, do Estado de S. Paulo não esperávamos nada diferente. De você, sim.

Sua eleição representou para muitos um ato de possível ruptura política, de descontinuidade do estado policial que o governador e a antiga prefeitura nos oferecia. Nos causa enorme tristeza e decepção não vê-lo tomar uma posição que o afaste claramente de tais políticas repressivas. Vê-lo longe da cidade, em Paris, ecoando as palavras reacionárias de Alckmin, reproduzindo os mesmos adjetivos injustos, os mesmos clichês conservadores que, temos certeza, você já escutou em seu tempo de militância.
Tem ideia de como isso nos atinge?

Vivemos em uma metrópole exausta, à beira de um colapso físico e psico-social, que intimida, oprime, espanca e mata o melhor da sua juventude: moradores da periferia, ativistas, ciclistas, skatistas, grafiteiros, músicos… Que por tempo demais criminalizou nossas últimas reservas de potência, saúde e sanidade cidadã. Foi em nome dessa potência, Sr. Prefeito, que o senhor pediu votos. Não para defender o mesmo tipo de “ordem” autoritária e insensível que o governador e quem o elege representa.

O prefeito diz que tais manifestações não são maduras, pois não são capazes de apresentar lideranças. Pois lhe dizemos com toda franqueza: é você que não está sendo maduro.
Pois não compreende a nova lógica do ativismo, da auto-organização, da inteligência e da indignação coletivas. Não entende que sua resposta não será dada em uma mesa de negociações. Há outras formas de dialogar.

Não encarne o poder como seus antecessores. Não tema as ruas. Não acredite que ceder a elas é capitulação. Acredite, revogar esse aumento, começar uma séria revisão dos contratos e da política de transporte na cidade, será muito mais do que uma vitória dos movimentos sociais. Será uma vitória de São Paulo. Uma demonstração de que um governo popular é aquele que escuta o povo. Será uma pequena vitória da ideia de cidade que você diz manter.

Se em seus discursos você fez eco aos que disseram nas praças que Existe Amor em SP, se quer com essas palavras ser inspirador de transformações, é essa transformação, esse amor pela cidade que hoje bate à sua porta. Esperamos que agora ela não seja trancada.

Movimento Existe Amor em SP!
http://mariafro.com/2013/06/14/carta-aberta-do-movimento-existeamoremsp-ao-prefeito-fernando-haddad/

Mussum - numa sexta chuvosa

via Mateus Perdigão

e...porque hoje é sexta...

via Aldir Brasil Jr.

Contra o pavor, ocupemos a cidade

por ÉRICO FIRMO

Poucas emoções são poderosas como o medo. Dificilmente alguma mexa tanto com os instintos, o inconsciente, o lado animal do humano. Por isso, é tão eficaz como instrumento justamente nas disputas de poder. Afinal, não apenas é capaz de afetar os sentimentos mais primordiais como também é relativamente simples de ser manobrado. “É muito mais seguro ser temido do que ser amado”, ensinou Maquiavel. Em trincheiras antagônicas, o pavor é a arma com que passou a ser travado o principal enfrentamento da política de Fortaleza. De um lado, o grupo “Fortaleza Apavorada”. O fenômeno é novo e só possível pelo advento das mídias sociais. Agrega setores tradicionalmente alheios a tais debates. E permanece incompreendido pelas diversas frentes da política tradicional – reativa como regra à novidade. Simbolizado pela mão ensanguentada, o movimento surge a partir do que o próprio governo reconheceu como crescimento “intolerável” de alguns tipos de crimes. Apropriou-se desse terror provocado pela escalada de homicídios e assaltos a mão armada. Com isso, incomodou o Palácio e provocou aquela que considero a mais relevante manifestação pública de todo o governo Cid Gomes (PSB) na área da segurança. Importante pela autocrítica sobre o caráter inaceitável do avanço da criminalidade, pela preocupação em prestar contas. E pela reação. Ao mesmo tempo em que afirma respeitar e considerar bem-vindo o movimento, o Estado aponta infiltração de “grupos partidários e marginais”, em “manifestação da corrupção e do oportunismo que ainda grassam na vida pública brasileira”. Além disso, pede aos participantes que não levem crianças, alerta para o risco de inocentes saírem feridos “ou mesmo sofrer algo mais grave”. E informa que fez “apelo” para que Tribunal de Justiça, Ministério Público e Assembleia Legislativa enviem representantes para monitorar o ato, “com o objetivo de garantir a tranquilidade e a integridade física dos manifestantes”.

Creio sinceramente nas boas intenções de um lado e outro. Acredito que os manifestantes, ao menos em sua esmagadora maioria, estão, sim, preocupados com os índices de criminalidade e buscam soluções, acima de tudo. Também penso que o Palácio da Abolição tem objetivo de evitar problemas durante a manifestação, quero crer que tem informações objetivas e confiáveis para fazer as acusações que fez e tenho certeza de que deseja obsessivamente resolver essa crise da segurança. Contudo, o método de ambos os lados não poderia ser pior. O uso político do medo remete aos anos mais sombrios dos totalitarismos de várias vertentes, às mais funestas experiências políticas da história humana. Talvez nessa forma de embate esteja o perigo maior.

PSICANÁLISE, POLÍTICA E MEDO

No livro A paranoia do soberano (Editora Vozes, 2000), o psicanalista e militante político Valton Miranda trata daquilo que denomina “gigantesca estrutura de paranoia coletiva” organizada em torno do medo na política. “O pânico não é, senão, o susto que não pôde ser pensado, refletido e dominado. O medo, nesse nível, sempre foi, conforme a historiografia social e política, um instrumento fundamental cujo manejo as autocracias de ontem e de hoje articulam politicamente e que, na atualidade, ganhou uma dimensão tecnológico-comunicacional. Dessa forma, é possível afirmar que o medo habita o inconsciente arquetípico, surge nos primórdios da infância, revigora-se no contexto social através da suposição básica de luta-fuga, adquire uma composição estrutural do corpo psicopatológico da paranoia e, finalmente, fica à disposição do Estado e do Soberano, conforme Maquiavel constatou brilhantemente”. Essa presença do medo como ferramenta de poder tem caráter eminentemente conservador, conforme prossegue Valton Miranda. “(...) a política tecnológica estimula a fobia (...) para que o medo funcione como verdadeira barreira eletrônico-comunicacional contra a mudança radical do sistema político vigente”.

O PAVOR COMO INSTRUMENTO DA INSEGURANÇA

O medo contribui para a insegurança. Como descreve Elias Canetti, em Massa e poder (Companhia das Letras, 2005), “as pessoas trancam-se em casas que ninguém pode adentrar, somente nelas sentindo-se mais ou menos seguras”. Cria-se aversão ao contato com o estranho, que se converte em paranoia. Tal processo tem relação, claro, com a criminalidade. Mas, também, com a forma como se reage a ela. Esse mecanismo não é apenas nem principalmente racional. Todavia, qualquer resposta efetiva à crise na segurança pública passa pelo enfrentamento desse medo atávico.

É necessário estancar o pavor. Sobretudo, é preciso ocupar a cidade. A pior resposta à violência é a reclusão. É imperativo ir às ruas, tomar as calçadas, multiplicar espaços e experiências de convivência. Não fugir de estranhos, não se render ao pânico. Sem querer abrir debate sobre a primazia do ovo sobre a galinha ou vice-versa, não é completamente verdade que as pessoas se fecharam porque a cidade se tornou violenta. Os crimes também avançaram porque espaços coletivos foram abandonados, num círculo vicioso nem sempre iniciados pela insegurança concreta, mas, por vezes, pela sensação coletiva de desamparo. A melhor resposta é não desistir, não recuar e tornar Fortaleza, em plenitude, cada vez mais nossa.

http://www.opovo.com.br/app/colunas/politica/2013/06/12/noticiaspoliticacoluna,3072975/contra-o-pavor-ocupemos-a-cidade.shtml